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quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Do pensar por si

Ouvir, ler e ver

Eu não lido bem com línguas estrangeiras. Nem ao menos o básico eu sei, mas amo ouvir as grandes melodias internacionais acompanhando a letra traduzida. É bem comum pessoas ouvirem músicas internacionais e não terem ideia do que elas falam, mas o ritmo, os instrumentos, as vozes e todo o conjunto em harmonia contagiam de tal modo que não importa o que significam; de alguma forma captamos sua beleza. Mas às vezes é bom dedicar um tempinho para investigar do que elas falam.

Recentemente ouve a música “wish you were here” (Eu queria que você estivesse aqui) da banda Pink Floyd.

A letra começa com indagações pertinentes a uma questão em particular: conseguimos distinguir, isto é, diferenciar adequadamente as coisas opostas na vida? Sabemos mesmo o que é real e o que é ilusório? Como diz na música, sabemos distinguir um sorriso de uma máscara?
A música afirma que trocamos um papel figurante na guerra por um papel principal na cela. Preferimos a prisão das formas já estipuladas do que a liberdade de ousar diferente. Mais a frente na canção, ela nos diz que somos almas andando, ano após ano, sempre sobre o mesmo chão.
E após andar muito, o que encontramos, é mais uma pergunta da letra. E ela responde que encontramos os mesmos velhos medos.
Faz-me lembrar de Sêneca, um filósofo estoico da antiguidade que dizia que por mais que o homem o viaje, nunca poderá se livrar dos amargos da vida, pois, seja onde for, o homem é perseguido pelos seus próprios amargores. Podemos ir para o lugar mais belo e calmo do planeta, mas se estivermos caóticos por dentro enxergáramos caos por fora também.
Também me faz lembrar um livro, O Falecido Matia Pascal de Luigi Pirandello, um italiano nascido em 1867. O romance relata a vida de um jovem que se encontra em uma monótona situação, desprezado pela família, com um emprego medíocre e endividado. Mas num golpe de sorte fatura uma bolada em um cassino e é tido como morto por engano. Se aproveitando da situação, muda-se para outro lugar, muda a aparência e de nome e torna-se noutro homem; num mais importante e distinto. Mas a vida antiga o persegue onde quer que ele vá. Andou e fugiu muito, mas mesmo assim o que encontrou foram os mesmos velhos medos.
Não devemos trocar o nosso papel figurante na guerra por um papel principal na cela, sendo que “é de batalhas que se vive a vida”. (Tente outra vez de Raul Seixas)
E como uma coisa leva a outra, esta canção me fez querer ver um filme encantador ligado a ela (Na Natureza Selvagem). Bem, quanto ao filme ainda não tenho muito a dizer.
(...)
Depois de ver ao filme e de ter escrito essas coisas ai em cima, tenho algumas palavras a acrescentar. A felicidade jamais esteve muito longe da vida que tenho como pensei que poderia estar. Na verdade, acredito que a busca de equilíbrio e de harmonia entre as coisas opostas da vida conduz àquilo que muitos filósofos se esforçaram para ter e descrever: a felicidade.
Nietzsche nos sugere que a felicidade não poderia estar noutro lugar senão na afirmação da vida, mas não uma vida que se deseja, mas a vida tal como ela é com seus doces e amargos.


Neste ponto retorno para a música que me pergunta se sei distinguir o paraíso do inferno. O paraíso é o equilíbrio harmônico dos opostos e o inferno é a desarmonia, o desequilíbrio, o caos e os extremismos; desordem externa e internamente.
Agora pretendo ler o livro Felicidade Conjugal de Tolstói, que foi um dos livros citados no filme. Como disse antes, uma coisa leva à outra como se fosse providência divina. Se me mantiver forte no caminho de pequenos sinais da vida, quem sabe um dia, não encontre a sabedoria. (sorrisos)


Imagens:     Chris McCandless (1968 – 1992) em frente ao ‘Magic bus’, sua última foto Luigi Bechi - Duas crianças partilham pão e maçãs 

Do pensar por si
Este artigo se trata de um acompanhamento de leitura e reflexão das obras de Shopenhauer

Geralmente preciso de algo fora para estimular o meu pensamento. Logo, será que não sou eu pensando? Numa tentativa de solucionar essa questão, penso no que Shopenhauer disse: “O pensar deve ser incitado como o fogo pelo vento”.
Pensar deveria ser algo natural assim como respirar, mas pessoas assim são raras. De onde vêm os pensamentos? De toda interação com tudo que nos rodeia. Pois cada fagulha do que experimentamos desperta uma chispa de pensamento na mente. Para ver isso basta parar e comtemplar o desenrolar dos pensamentos.

O pensamento é como uma semente que germina quando semeada em solo fértil. E debaixo da luz, cresce, floresce e gera frutos. Esse processo é natural e autônomo. O que temos de cuidar é apenas do solo fértil que há em nós, que significa cuidar da mente e do espírito. Ter a mente aberta para novas sementes e disposição para cultivá-las, trabalhar todos os dias para remexer a terra (arejar a mente com ideias novas) e podar as ervas daninhas (purificar os maus pensamentos). São algumas práticas que podem incitar os pensamentos.

Shopenhauer nos fala de uma biblioteca pequena e organizada. E o que é uma biblioteca bem organizada? Aquela que contenha alguns livros essenciais para o crescimento individual e singular de cada pessoa. E não um amontoado de livros cuja finalidade não seja outra a não ser acúmulo de bens e de conhecimentos: ambos prejudiciais e sem utilidade, pois carecem de um sentido substantivo. Esse desejo de acumular está mais ligado a debilidades, com a vaidade e o orgulho, do que o desejo de crescer propriamente dito.
Esse desejo de crescer pode ser entendido como a vontade de se desenvolver metafisicamente, de crescer espiritualmente, de desenvolver um potencial que está em latência dentro do íntimo da pessoa.
Ainda nesse tema, Nelson Rodrigues nos diz: “Deve-se ler pouco e reler muito. Uns poucos livros totais, três ou quatro que nos salvam ou que nos perdem. Preciso relê-los, sempre e sempre, com obtusa pertinácia. No entanto o leitor se desgasta, se esvai, em muitos livros mais áridos do que desertos.”
Adquirir conhecimento também á válido, mas constitui em apenas uma etapa de um longo processo de desenvolvimento das potencialidades interiores que falei anteriormente. Shopenhauer nos fala que se pode ter muito conhecimento, mas ele tem pouco valor se não for trabalhado na mente por si mesmo.
Transcrevo aqui uma poesia em prosa do autor Mizach Handres:
“Sou muito grato aos livros que tenho, sobretudo aos que li de verdade. Participaram de minha vida desde cedo como amigos dedicados. Aprendi muito com eles.
Outros livros, além de amigos, foram pai e mãe para mim. Ensinaram-me belas lições. Puxavam-me as orelhas enquanto eu dobrava as deles. Uns me acalentavam e tranquilizavam em momentos de desespero; davam-me bons conselhos. Se não sabia fazer algo vinha logo um a me ensinar. Se não suportava mais sofrer com os amargos da vida, vinha logo outro, sujo e rasgado, a me mostrar que era preciso suportar com força e coragem. Se me perdia de mais nas malhas da ilusão vinha um para me abrir os olhos. Se me deprimia pela verdade nua e crua do mundo, vinha mais um outro e mostrava que não era errado sonhar. Um chegou mesmo a me dizer em particular que a ficção, a estória, o mito e a fantasia tem tanto de verdade quanto o chão em que se pisa, pois mostra mais de nós mesmos que um tratado inteiro de psicologia.
Enfim, ensinaram-me e me ensinam a cada dia o valor do equilíbrio, do bom senso e da harmonia. Agradeço a isso, aos livros e aos seus senhores; mestres escritores que nos legou entidades de sabedoria encarnadas em livros, em obras de literatura.”

Convenhamos, mas para conhecer de verdade precisamos refletir, pensar, analisar, ponderar e trabalhar em cima. Precisamos gastar alguns recursos como tempo e energia. Shopenhauer complementa que um homem só sabe aquilo sobre o que ponderou.
Lembro-me que na escola, desde o primário tínhamos de fazer trabalhos escolares, geralmente eram pesquisas. Poxa! Era uma sábia metodologia se os alunos compreendessem o sentido da palavra trabalho. Bem, se não bastasse apenas os trabalhos de escola, tinha os trabalhos de casa que minha avó e minha mãe passavam: pequenos afazeres domésticos; nada difícil, mais ainda sim fazia com cara feia. Passamos a vida trabalhando, pensando, refletindo, ponderando, analisando, etc. Ou seja, é assim que chegamos a conhecer de verdade, tanto as coisas quanto a nós mesmo. Então da próxima vez que lhe aparecer um trabalho, físico ou mental, procure fazer com vontade, pois é esta a chance de você apoderar daquilo que é seu de verdade.

Ler é diferente de pensar. Isso me faz lembrar novamente de Mizach Handres, que diz: “A qualidade daquilo que escrevo depende em boa parte do estado de ânimo de quem me lê.” Esse pensamento é pertinente à questão, pois Shopenhauer afirma que a leitura força a mente a ter pensamentos que são alheios ao estado e temperamento que possa estar no momento.
Muitas vezes querer ler demais pode sugerir uma tentativa fuga de si mesmo. “Se um homem não quer pensar por si, - nem em si - o plano é pegar um livro toda vez que não tiver nada para fazer”, mais uma vez Shopenhauer nos falando. E ele também nos alerta que pegar um livro somente para afugentar os próprios pensamentos é um pecado. E tem toda a razão, pois assim o livro é só mais uma distração não muito diferente da internet, dos tabletes, dos celulares, dos jogos, da televisão, etc. Nesse sentido o livro é escravizamte e não libertador.
Mas atenção, a leitura não é ruim. É ruim quando substitui os próprios pensamentos. Lembram-se da primeira frase de Shopenhauer citada aqui? “O pensar deve ser incitado como o fogo pelo vento”.
E para ter bons pensamentos que tal procurar por bons ventos, como barcos a vela. Bons ventos nos leva longe, mais rápido e para o destino certo. Maus ventos nos atrasam e nos desviam do bom caminho. Em analogia, podemos pensar assim para com os livros, com as coisas, com pensamentos, com a vida, enfim: aprender a fazer boas escolhas. Ora ou outra podemos pegar um mau vento, mas com o tempo vamos adquirindo experiência, e aprendemos a reconhecer logo o vento que nos desvia do destino. Quando isso acontecer, baixe as velas, fique um pouco a deriva, olhe para a natureza e logo um bom vento vem te acolher novamente.
Os antigos chamam isso de providência. Os contemporâneos chamam de “o encaixar o seu desejo no desejo do mundo.”

Imagem: WILLIAM BOUGUEREAU - A difícil lição



quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Inescrupulosos se dão bem

O mundo repudia os mansos e favorece aos inescrupulosos
Este texto é fruto de minhas reflexões, meramente um reflexo de minhas mais triviais opiniões.

Friedrich Nietzsche foi um homem forte, pelo menos assim dizia quando vivo. Foi um fervoroso crítico dos hipócritas; dos que se diziam possuidores de nobres virtudes, mas que no íntimo não passam de mentirosos mascarados.
Hoje em dia o homem forte pensado por Nietzsche é visto como o homem que não tem compaixão, que não se coloca no lugar do outro para sentir as dores alheias. Para o homem contemporâneo o homem forte é o inescrupuloso.
Vitor Frankl, um psiquiatra judeu que passou pelos campos de concentração nazistas, relatou que as pessoas sensíveis, virtuosas, dotadas de valores e princípios fortes foram as primeiras a sucumbir por não abrir mão destes valores. Acrescenta que quem saiu vivo disso tudo foram os mais inescrupulosos, ou seja, aqueles que tiveram a capacidade de desenvolver uma apatia perante a toda aquela barbárie. Entretanto não temos o direito de julgar ninguém que luta pela própria pele, afinal a apatia é um mecanismo de defesa poderoso ligado ao instinto de sobrevivência.
Em outro livro que trata de assuntos semelhantes, a Pele, de Curzio Malaparte, relata a triste realidade do pós-segunda guerra em que as pessoas são capazes de tudo para salvar a própria pele. Até agora estamos falando de situações limites e acontecimentos extremos que leva a pessoa a desenvolver um grau de apatia. Mas quanto às situações cotidianas mais brandas em que as pessoas passam e não se importam tanto? Nestas pequenas situações o que justifica o abrir mão de valores e princípios superiores?
Perante grandes crises, guerras e desastres são os inescrupulosos que mais se dão bem; são os que têm mais chances de saírem ilesos. Para exemplificar: perante uma guerra o soldado que retornar ao campo de batalha para salvar seus companheiros de guerra, condenados a uma morte certa, terá suas chances de sobreviver reduzidas; o empresário, perante a uma grave crise econômica, que luta para manter os funcionário e pagar todas as suas dívidas sem burlar o sistema, corre sérios riscos de falir.
Não sei, mas tenho a leve impressão de que o mundo não é dos mansos e justos, mas sim dos inescrupulosos e agressivos, pois estes têm mais facilidade de passar por cima de valores humanos para salvar a si mesmos em primeiro lugar. E são esses que se mantêm vivos em tempos de guerra, são esses que mantêm o dinheiro em tempos de crise, até mesmo conquistam grandes fortunas nas crises. São esses que se mantêm no emprego perante injustiças de diferentes naturezas. São esses os homens fortes que Nietzsche se referia?
Acredito que não. Os homens fortes são aqueles que se mantêm firmes em seus valores, virtudes e princípios humanos perante a qualquer situação exterior, mesmo que isso signifique sua própria ruína. Esses são os verdadeiros heróis; aqueles que são capazes de fazer pequenos e grandes sacrifícios, não por eles mesmos, mas pelos demais.
Na atualidade o valor do inescrupuloso que é almejado. Quantos cursos de inteligência emocional têm por aí, não é mesmo? Para o pensamento do homem médio contemporâneo, o homem inescrupuloso que é o modelo ideal, que é o homem bem sucedido na vida... O que venceu.
Nietzsche tem uma frase incrível, que é assim: “Quem tem um porquê suporta quase todo como”. E este porquê de cada um são valores superiores e humanos.

Agora eu digo, olhando de frente para meus contemporâneos, numa atitude de “ressentido” e “sensível”: Quem luta em nome de seu próprio ego suporta fazer quase tudo nesta vida. E é esta a máxima do homem forte, do homem da moda e bem-sucedido.

Imagem: não consegui identificar o autor

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Do Ser e da Aparência

     Do Ser e da Aparência
     Este artigo se trata de um acompanhamento reflexão de uma palestra de Leandro Karnal.

     O que pode nos fazer feliz? O quê eu não sei, mas Leandro Karnal nos diz em uma palestra que não é o que o mundo diz o que somos que vai nos fazer felizes. Diz ainda que é o que pesamos que poderá nos trazer alguma felicidade. O que construímos mentalmente é que nos faz felizes ou infelizes.
      Lembro-me de outro autor, Vitor Frankl, que fala que o ser humano tem uma única liberdade: que é de escolher como vamos ser afetados pelos acontecimentos que não dependem de nós. Frankl foi prisioneiro dos campos de concentração, e lá, em meio a toda aquela barbárie, ele viu que poderiam tirar tudo dele menos essa liberdade íntima de poder escolher como reagir a todas aquelas coisas.
Então será que é o que pensamos que determina as pegadas que deixaremos no mundo?

     O que pensamos está dentro de nós. E o mundo não olhará para isso. O mundo procura o externo para ver e julgar. Ou seja, o mundo nos mede pelo que parecemos ser. Eu sou um, mas o mundo me olha e me mede pelo que pareço ser. E agora como resolver esse impasse? É só fazer o nosso exterior, nossa aparência, parecer o mais possível com o que pesamos interiormente. A isso podemos chamar de coerência e de integridade.

     A teoria é bem simples, mas na prática... Basta ser o mais coerente possível com o que pensa e com o que faz. Deste modo aquilo que se pensa é refletido naquilo que se faz e o mundo nos medirá pelo que somos de verdade.

     O mundo nos mede pelo que parecemos ser e nós medimos o mundo pelo que ele parece ser. E pior, medimos o mundo comparando ele com outra coisa, geralmente, para piorar as coisas, com a gente mesmo. Para exemplificar: eu olho para o outro e vejo sua aparência, e a comparo com a minha aparência. Isso é um duplo erro, pois a comparação gera ainda mais ilusão. Eu sou alto perante alguém baixo. Só me acho feio porque tem alguém mais anatomicamente harmônico que eu. Com o qual me comparo e me acho feio.

     Leandro Karnal lança um belo exemplo, um ditado português: “o insulto é como um veneno, só funciona se beber”. Quando alguém nos insulta ou nos agride nos podemos escolher beber deste veneno ou não. Se bebermos do veneno significa que nos identificamos com o insulto. E isso não é ruim, pois tá aí a grande oportunidade de identificarmos e vencermos um defeito.
Ele ainda acrescenta que o insulto e a crítica é um reflexo das próprias debilidades de quem as pratica. Mesmo quando estamos certos em corrigir o outro, a crítica é um reflexo de nossas próprias dores. Devemos evitar a crítica, mas se fizermos, devemos olhar para dentro. Porque o primeiro destinatário de nossa critica é a gente mesmo. Posso até estar certo em criticar alguém, mas primeiro de tudo critico a mim mesmo. E tá aí outra grande oportunidade de identificar e corrigir um defeito. Então, insultando ou recebendo insultos podemos conhecer a nós mesmos e evoluirmos como pessoas. Fazendo ou recebendo críticas nos mostra que a chave não está no outro, mas sim dentro de nós mesmos, pois é o que pensamos intimamente é que diz o somos e não nossa aparência que é uma máscara.

Imagen: The Inferno, Canto 29, lines 4-6 (detail) Gustave Doré 1890