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sábado, 6 de janeiro de 2018

O Eterno Ciclo da Vida!


Há certos dias em que acordamos nos sentindo muito bem. Tão bem que nos falta palavras adequadas para descrever este estado de espírito. Sentimos alegria, felicidade, júbilo, contentamento, plenitude...
Sentindo assim nos perguntamos: como que mais ninguém a nossa volta não está sentindo isso? Sendo que tudo está tão belo e convidativo para a alegria.
Entretanto o tempo corre constante dando existência a coisas novas, transformando as que já existem e destruindo outras que já é tempo de passarem. Deste modo o dia vai passando e as coisas vão se transformando; a alegria, que no início do dia era tão intensa, agora no meio dia já não é a mesma coisa. Naquelas primeiras horas da alvorada riamos com o canto dos passarinhos, mas agora, no meio do dia, estamos mais sérios e com fome esperando pelo almoço.
Pois é mais ou menos assim que me sinto. Enquanto espero pelo almoço vou pensando na alegria que se transforma no decorrer das horas. Lembro-me do início do dia e me pergunto o porquê estava tão feliz e agora não mais.
E por tanto pensar percebo que não posso manter o mesmo estado de espírito feliz por muito tempo. A verdadeira felicidade acontece de instantes em instantes mais ou menos distantes um do outro. Nesse intervalo entre esses instantes de felicidades temos outras coisas para sentir que são tão importantes quanto à alegria e a felicidade. Precisamos da tristeza, por exemplo, que também acontece de instantes em instantes.
Percebi isso um pouco mais cedo, quando estava trabalhando na roça, preparando a terra para o plantio. Como já disse acordei bem disposto e cheio de energia. Comecei roçando o mato com uma roçadeira motorizada. Ia passando a hélice em tudo, cortando as plantas, destroçando os gafanhotos, cortando as asas das borboletas, picando vários insetos em mil pedaços e acabando com a vida minúscula que se punha em meu caminho.
Senti-me um ceifeiro. E isso me abateu sobremaneira. Minha alegria se transformou em um mix de tristeza, apatia e melancolia.
Enfim o almoço foi servido; arroz, carne, ovos macarrão e feijão. Comi tudo vagarosamente, mas comi.
Enquanto ingeria os alimentos coisas passavam em minha mente: de onde será que vieram essas coisas? Como foi plantado e colhido o arroz e o trigo? Será que usaram muito veneno. Quanta criatura não deve ter morrido?
Almocei ritualisticamente, pois algo instintivo me dizia que deveria me alimentar com uma atitude de cerimônia.
Depois do almoço minha tarefa era continuar roçando e matando os pequenos animais. Mas estava incomodado com a situação e evitei o retorno as minhas obrigações. Andei pelo terreiro procurando outras coisas para fazer. Mas toda pedra que levantava tinha vida debaixo dela, todo tronco que mexia tinha formigas e insetos vivendo dentro dele e em todo lugar que pisava tinha vida que meu peso esmagava.
De súbito comecei a lembrar de quando morava com minha avó. Ele cozinhava no fogão a lenha e eu era quem pegava a lenha. Lembro que via o tição ardendo na fornalha e na outra extremidade da madeira, a que estava fora do fogo, ficara coberta por cupins; todos empilhando e remexendo para não serem queimados vivos. E minha avó pegava uma vassourinha e os varia de vez para a boca da fornalha bem no meio das brasas quentes. Tudo isso para que pudéssemos cozinhar nosso alimento e comer.
- É só para acabar logo com o sofrimento deles. Minha vó me dizia e eu nem ligava. Mas não entendo o porquê estou me lembrando disso tudo.

Ainda andando pelo terreiro vi uma muda de cravo da índia. Não pensei duas vezes e decidi plantá-la em um bom lugar. E mais uma vez algo interno e valioso, como uma voz silenciosa, me falou que deveria fazer aquilo de modo cerimonioso.
A assim fiz. Escolhi bem o local, limpei uma pequena área e furei o buraco. No processo achei uma minhoca e a pus de lado. Besouros e grilos atravessavam o caminho de minha enxada, mas eu salvei alguns. Nisso eu disse quase sem pensar: esse é o meio tributo para com a natureza; um mísero tributo por tudo que ela me dá.
Plantei o cravo com carinho sentindo suas raízes e a terra úmida grudando na mão e entrando debaixo das unhas. Coloquei a minhoca que havia salvado do fio da enxada sob a terra fofa no pé da planta. Sem demora ela entrou na terra desaparecendo por completa.
Levantei-me e comtemplei o que havia feito. Olhei para o céu claro e pensamentos brotaram na minha mente; como sementes que foram regadas pelas primeiras chuvas e iluminadas pelos primeiros raios do sol.
Pensei: tenho de viver de tal maneira que possa ser digno de todos os sacrifícios da natureza para que eu possa comer todos os dias.

Depois disso aquela mesma alegria de manhãzinha retornou a minha alma e coração. Trabalhei o resto do dia com vigor e sensibilidade a toda manifestação da vida. Trabalhei de outro modo, entendi que certas coisas não podem ser evitadas, mas outas temos o dever de evitar. Salvei os que pude e continuei meu trabalho sem culpa e com muita gratidão para com a vida.

Imagem: Autor desconhecido